Mensagem Litúrgica do segundo dia da Novena do Nosso Seráfico pai, São Francisco, em 2020. Primeira Leitura (Ez 18, 25-28), Salmo Responsorial 24 (25), Segunda Leitura (Fp 2, 1-11) e Evangelho (Mt 21, 28-32).
Quando se fala da existência dos anjos, reafirmada pela fé católica, crer na milícia celeste significa acreditar que eles existem para guardar o homem, acreditar na certeza de que Deus nunca abandona sua criação, e que que Ele ama o homem verdadeiramente. Assim Frei Flávio Amorim OFMConv., reitor da Casa de Formação São Francisco de Assis, iniciou a reflexão da segunda noite da novena do pai Seráfico. O celebrante contou que a devoção de São Francisco a São Miguel Arcanjo, tema da noite, nasce quando ele, em 1216, sobe ao Monte Gargano, na Itália, um Santuário dedicado ao arcanjo, e não entra, uma vez que não se achava digno, contudo marcou o sinal do Tau na entrada do Santuário.
Contou ainda que outro momento em que a devoção surge está no contexto do próprio São Miguel Arcanjo, que é aquele que cuida, o defensor que protege. Quem como Deus? Quão grande é o amor de Deus? Foi em 1224, durante uma Quaresma de São Miguel, que Francisco recebeu os estigmas, e para entender essa devoção, é necessário passar por esses estigmas.
Francisco, quando subiu ao monte para orar, pediu duas graças: a primeira, sentir o amor de Jesus pela humanidade; a segunda, sentir a dor da paixão, a súplica pela salvação, o mistério da penitência e mergulho no grande mistério de Deus. E Cristo aparece em forma de anjo e imprime as chagas do Senhor em Francisco. Uma graça, momento em que a dor se transforma em amor, e o mistério da Quaresma se revela mistério de entrega, de graça extraordinária, mas também dolorosa.
Dolorosa porque Francisco viveu uma profunda inquietação, de abandonar seus projetos pessoais em troca da graça da conversão, com o objetivo de olhar o mundo, os sofrimentos da humanidade, de uma outra forma, “justamente o que antes me parecia amargo se me converteu em doçura da alma e do corpo” (Testamento de São Francisco), falou nosso pai Seráfico sobre o encontro com o leproso, uma profunda paixão pelo Senhor.
Depois, essa inquietação vem com Francisco, ouvindo a voz do crucificado que a ele diz, Francisco, não vê que a minha Igreja está em ruínas? Vai e reconstrói a minha Igreja! Uma experiência dolorosa, mas também uma experiência de graça, de abraçar a morte para alcançar a vida. E é isso que essa quaresma quer de cada homem, a intenção de pacificar a morte de Cristo, onde Deus vê o homem, mas quem quis olhar para o Senhor foi Francisco. São Francisco consegue equilibrar esse olhar de dor e graça, e lembra São Boaventura, que por tanto amor de Francisco pelo coração do Senhor, o homem deveria ter nostalgia, saudade de que a vivência do Evangelho aconteça em cada um, em cada homem. Um desejo de viver em conformidade com Cristo, renovando a vivência do Evangelho.
São Boaventura descreve a descida de São Francisco do Monte Alverne, em 1224, após o recebimento das chagas, após as penitências, após quarenta dias, como uma experiência de luz, purificação e união, que representam o que deve ser o caminho de espiritualidade a ser seguido pelo homem. Francisco deixa-se chagar por Cristo para ser esse caminho de purificação, que cada homem possa ser também um caminho de purificação por um mundo que grita por cura de tantos males, cura da ganância, da prepotência, da autossuficiência, e também desta pandemia. O homem precisa ser unção do Senhor para o irmão. De nada adianta a oração, se ela não transformar, não trará a cura. A maldade, tudo o mais passará, mas o amor de Deus não passará.
Já o caminho da iluminação mostra um Francisco que se torna claridade, e o homem, pelo batismo, também se faz luz, uma luz que não pode ser escondida, pois há muitas coisas que cegam a alma humana e é muito triste um coração que não vive a misericórdia de Deus. Quando se esconde a luz de Cristo, estraga-se a obra do criador. Os estigmas de São Francisco mostram a necessidade de o homem ser luz verdadeira para o outro, para a união entre um amor que aquece e reúne corações. Ser como Francisco, sinal de aproximação, ser ponte, e não muros, pontes para levar a Palavra a todos. Francisco se recolhia na solidão e oração, e por isso ele jejuava e meditava a palavra de Deus, preparando-se para o dia da festa, tendo fome pelo desejo de celebrar a festa.
O homem deve abrir o coração ao Senhor, com o amor ardente do Seráfico pai São Francisco de Assis, para a alma do santo, que feriu o seu corpo, com o dardo que o transpassou. E que num mundo onde há tanta poeira, essa poeira não obscureça o coração do homem, não o torne insensível. Que somente permaneçam no coração do homem as legítimas marcas e o amor de Deus e de São Miguel Arcanjo, e que o homem possa se abrir à concreta amorosa na conduta do Evangelho.
São Francisco é aquele que tem a postura do que escuta. É preciso que cada um repense como viveu essa quaresma, será que foi como algo mágico? Se cada um pudesse ver o amor, o poder de Deus, a teria vivido de outra forma? Que São Francisco ajude a cada um a ir à gruta da oração e sair selado por Deus, levando ao irmão o selo da misericórdia, o selo de Deus.
Texto por: Letícia Oliveir | Fotos: Frei Altair