Sacrossanta Basílica Menor Santuário São Francisco de Assis

Nós somos chamados pelo profeta a voltarmo-nos para o Senhor, a deixarmos de lado tudo aquilo que nos distancia do nosso irmão e do nosso Deus e fazermos um caminho de conversão. O apóstolo vai sintetizar o que é a conversão e vai dizer assim: Em nome de Cristo, nós vos suplicamos deixai-vos reconciliar com Deus.

Texto: Patrícia Gomes

Fotos: Danielly Oliveira

Mensagem Litúrgica
Quarta-feira de cinzas (02/03/22) – Missa presidida pelo Frei João Benedito
Primeira Leitura (Ecl 27,5-8)
Responsório (50)
Segunda Leitura (2Cor 5,20-21.6,1-2)
Evangelho (Mt 6,1-6.16-18)

Começamos hoje um tempo forte que é o tempo da quaresma. Como tempo litúrgico da Igreja, é o tempo mais rico na quantidade e na diversidade de orações, de práticas ligadas a esse momento da liturgia. Temos uma prática devocional difundida pelos franciscanos que é a via- sacra e é própria do tempo da quaresma. Durante cerca de 40 dias estaremos nos preparando para celebrarmos a Páscoa da Ressurreição. Apenas os domingos não são contados entre os 40 dias da quaresma.  Esse período nasce como um tempo de preparação para os catecúmenos receberem o batismo na noite da vigília pascal, mas também como um tempo de penitência, de reconciliação, no qual os pecadores públicos que tinham cometido grandes pecados que eram o homicídio, a apostasia, a heresia e o adultério e que, por isso, eram distanciados da vida da Igreja assumiam publicamente o compromisso diante da comunidade de mudança de vida. Em razão disso, nasce, portanto, a quarta-feira de cinzas, eles recebiam as cinzas na cabeça em grande quantidade. Os homens recebiam na cabeça e as mulheres, como usavam véus, recebiam na testa, com o sinal da cruz. Essa prática de receber as cinzas predominou na Igreja durante todo o século IV e se tornou um sinal de penitência, de reconhecer que eu pequei, que eu estou diante de Deus começando um firme propósito de reconciliar-me com os meus irmãos e com o meu Deus. É uma lembrança também da fragilidade da vida, nos faz recordar que somos pó e ao pó voltaremos. Nós facilmente nos iludimos pensando que somos tão grandes, mas chega um momento que todos nós somos iguais, somos frágeis, voltamos ao pó, por isso, a liturgia de hoje nos recorda que voltaremos ao pó. Somos como esse pó de cinza que vamos receber hoje, como sinal de penitência, que não nos perdoa dos nossos pecados, mas recorda a todos nós que começamos um caminho de conversão, um caminho de volta ao Senhor, um caminho que nos prepara para celebrar a Páscoa. Também nos lembra que não devemos desperdiçar nenhum momento desse tempo que parece longo, mas que daqui a alguns dias nós vamos ver que passou brevemente. Se nós não nos cuidarmos passará voando e nós não vamos aproveitar esse tempo para fazer um caminho de conversão.

Hoje nós ouvimos na primeira leitura Deus que apela para o seu povo: Voltai-vos para mim. Na verdade, quando nós falamos de quaresma, de conversão nós sempre pensamos que nós é que estamos indo em direção a Deus, mas somente é possível voltarmos para o Senhor porque antes disso Ele se volta para nós. Deus é aquele que constantemente se volta para o seu povo e na leitura vai falar que Ele se inclina diante de nós, que se inclina e insiste para que nós façamos um caminho de conversão. Não somos nós que fazemos o primeiro ato, não somos nós que damos o primeiro passo, mas é Deus que vem ao nosso encontro. Na parábola do pai misericordioso, do filho pródigo, aquele pai está na porta de casa olhando o horizonte até que vê aquele filho despontar e corre ao seu encontro e o cobre de beijos e abraços. Assim é o nosso Deus. Assim nós podemos entender aquilo que Jesus vai dizer no evangelho: Na verdade, há mais alegria no reino dos céus por um só pecador que se converta do que por 99 justos que não precisam de conversão. Jesus é o médico que veio para quem está doente, porque aqueles que se consideram sadios dele não precisam. Nós somos chamados pelo profeta a voltarmo-nos para o Senhor, a deixarmos de lado tudo aquilo que nos distancia do nosso irmão e do nosso Deus e fazermos um caminho de conversão, mas o apóstolo hoje vai sintetizar o que é a conversão e vai dizer assim: Em nome de Cristo, nós vos suplicamos deixai-vos reconciliar com Deus. A conversão é fundamentalmente fazer as pazes com Deus, de buscar ter em nós os mesmos sentimentos, as mesmas atitudes de nosso Senhor Jesus Cristo. Nós que tantas vezes nos sentimos abandonados por Deus, nos sentimos aborrecidos e quando vemos as tragédias da humanidade injustamente nós perguntamos: Onde está Deus? Onde está Deus nesse momento de uma guerra que é uma coisa que assusta não só o continente Europeu, mas o mundo! E nós não percebemos que a pergunta fundamental é: Onde está o ser humano que move as guerras, que destrói o planeta, que mata o seu irmão? Onde está a nossa humanidade? Deixai-vos reconciliar com Deus é o desafio que nos é proposto durante esse tempo de quaresma. Voltarmo-nos ao Senhor, reconhecer que Ele é um Deus misericordioso, um Deus apaixonado, um Deus que nos ama sempre, que vem ao nosso encontro e que Ele está ali nos esperando para nos abraçar, para nos beijar, para fazer a paz.

No evangelho, Jesus vai falar de três coisas que são importantes para nós vivermos nesse tempo de quaresma. Se o caminho de quaresma é um caminho de conversão, o evangelho de hoje indica três coisas para as quais devemos dar atenção. São três coisas que nós facilmente esquecemos ou criamos desculpas para não as praticar: a primeira delas é a esmola, na verdade cada uma dessas três coisas estabelece a nossa relação com alguém. A esmola estabelece ou restabelece a nossa relação com o irmão, mas quantas vezes nós, para não darmos esmola, para não ajudarmos, nós inventamos mil desculpas. Muitas vezes dizemos apenas a um necessitado: Que Deus te abençoe, que Deus te ajude, mas é justamente o contrário: Deus colocou essa pessoa na sua vida para você ajudar, não para que você devolva para Deus. A segunda coisa é a oração, pois ela restabelece a minha relação com Deus, ou seja, nós somos cristãos não é porque acreditamos em um elenco de dogmas, mas sim porque temos uma relação pessoal com o Senhor, um encontro pessoal. Se esse encontro não existe na minha vida, é sinal que a vivência religiosa não passa de uma ideologia, ou seja, a experiência de fé é aquela que ninguém pode fazer por você. Ou você faz ou ela não vai existir. E não existe uma verdadeira experiência de amor se eu não dedico tempo a pessoa amada. E o modo de dedicar tempo a pessoa amada, que é Deus por excelência, é na oração. Se nós envelhecemos sem saber rezar, sem criar gosto pela oração não é porque nos falta ler um livro a mais sobre a oração, mas é porque nos falta a prática da oração. E rezar não é fácil. São Francisco se chamava o homem feito oração, pois dizia-se que quando ele começava a rezar seu rosto transfigurava-se. E tem uma coisa em São Francisco que sempre me impressiona: que este homem era Superior Geral de uma Ordem que era a maior ordem da Igreja e ainda assim ele, por ano, tirava, no mínimo, 120 dias para rezar, ou seja, no mínimo três quaresmas. Alguns hagiógrafos chegam a dizer que ele fazia cinco quaresmas por ano. Para nós que nos desculpamos que não temos tempo de rezar porque temos tanta coisa para fazer, São Francisco é um grande exemplo. A terceira coisa é o jejum. Se nós temos uma dificuldade com a esmola, com a oração, imagina com o jejum. Existem dois dias durante o ano que nós, como católicos, somos obrigados a fazer jejum: a quarta-feira de cinzas e a sexta-feira santa. Mas, se a esmola estabelece a minha relação com o irmão, a oração a minha relação com Deus, curiosamente o jejum estabelece a minha relação comigo mesmo. Hoje vivemos numa cultura que incentiva a fazer tudo que queremos, mas a palavra de Deus vai nos dizer o contrário: na medida em que nós somos capazes de renunciar aos prazeres nós amadurecemos como seres humanos e crescemos na fé.  Se eu não sou capaz de renunciar a comida em dois dias do ano não serei capaz de renunciar a minha própria vontade para fazer a vontade de Deus. O jejum nos educa e Jesus nos diz no evangelho que ficou 40 dias no deserto em jejum sendo tentado. No evangelho, Jesus não pede para que a comunidade faça nenhuma das três coisas, pois partia do pressuposto que eles já adotavam essas práticas. Jesus vai dizer que nós muitas vezes nos ocupamos em fazer belos gestos religiosos, mas o nosso eu que quer ocupar o centro de tudo rouba o valor desse gesto. As pessoas no tempo de Jesus davam esmola e tocavam o sino, rezavam e ficavam em atitude de oração diante de todos para que pudessem ver ou então faziam jejum e saiam com o rosto pálido e desfigurado. Jesus vai falar: essas práticas são boas, mas, cuidado, tudo aquilo que nós fazemos na dimensão religiosa, por mais belo que seja, a grande tentação que nós temos é tirar Deus do centro e colocar a nossa pessoa.  Nessa situação, o Senhor nos chama de hipócritas. Devemos fazer tudo isso para que seja um segredo entre nós e Deus e o Pai do Céu que vê tudo em oculto nos dará a recompensa.

Nesse dia, a Igreja também inicia uma grande campanha no Brasil que é a Campanha da Fraternidade, neste ano o Tema é: Fraternidade e Educação, o Lema é: “Fala com sabedoria, ensina com amor” ( cf.Pr 31, 26).  É a terceira vez que se enfrenta o tema da educação, porque é uma situação que, para nós, como sociedade brasileira, é sempre delicada, os dados vão dizer que a pandemia fez a educação do mundo regredir em média 10 anos. Voltar ao ponto de partida é um desafio, mas se é difícil para nós em Brasília, imagina nesses rincões do nosso Brasil. Mais uma vez a Igreja nos coloca um tema para nossa conversão e propõe um gesto concreto de oferta no domingo de ramos para que nós possamos ajudar os projetos da Igreja do Brasil.