Sacrossanta Basílica Menor Santuário São Francisco de Assis

“Cura-me Senhor com o Teu espírito, pois minha alma sedenta está! Vem, ó água viva, ó água pura, transformar meu coração! “, é o pedido recomendado pela Liturgia do 6o Domingo do Tempo Comum. Primeira Leitura (Lv 13, 1-2.44-46), Salmo Responsorial (Sl 31), Segunda Leitura (1Cor 10, 31-11, 1) e Evangelho (Mc 1, 40-45).

Por Letícia Maria Oliveira

 

A Liturgia do 6o Domingo do Tempo Comum traz, no primeiro capítulo do livro do evangelista São Marcos, mais uma contextualização das curas de Jesus. Rememorando o 5o Domingo, em que Jesus cura a sogra de Pedro, e ela se põe a servir, e depois de servir, o Senhor envia os seus para o “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura (Mc 16, 15)”. Em uma contextualização em cadeia, a cura desse homem possui um esquema bíblico semelhante. Clique na imagem a seguir e veja mais momentos da celebração:

 

“Homens e mulheres mais humildes conseguem ancorar sua fé na bondade de Deus..”

Fotos: Aureni Brito

 

O primeiro ponto da análise dessa Liturgia, realizada pelo presidente da Celebração das 19h, Frei Cristiano Freitas OFMConv., trata da questão da cura ser sempre também um sinal, algo que não se encerra em si mesmo. Quando Jesus cura o leproso, ele não cura apenas as manchas na pele daquele homem. Cabe aqui ver o que institui a Primeira Leitura sobre como deveria ser tratado o homem que portasse esse mal: “45O homem atingido por este mal andará com as vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando: ‘Impuro! Impuro!’ 46Durante todo o tempo em que estiver leproso será impuro; e, sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento (Mc 1, 45-46)”. Assim, à época, essa doença não mexia apenas com a pele, mas com toda a dignidade e toda a honra, comprometia o indivíduo por inteiro. A lepra, as doenças, eram sinônimo de maldição e mexiam com toda a integridade da pessoa.

É importante que os homens não fiquem presos na busca pela cura física, mesmo conhecendo as palavras de Jesus que falam, aqueles que pedem serão atendidos, faz-se necessário perseguir a cura da alma! Senão, a vida permanecerá sendo uma eterna busca de se livrar de sofrimentos. A cura precisa ser um sinal que requer maturidade para o entendimento sobre as dores da vida, pois sofrimento sempre haverá.

Não se deve desejar apenas uma pele nova, mas toda uma vida nova. O leproso foi reintegrado à vida comunitária da qual a doença, a maldição, o havia excluído, e é isso que Jesus quer que os homens tenham em mente, o poder dessa Palavra. Jesus não pode ser visto como um mero curandeiro. Mas infelizmente, basta que se acrescente a divulgação de uma celebração a informação de que ela será uma Missa por Cura, que os templos ficam lotados. Entretanto, o poder de Deus é muito mais profundo.

Um segundo ponto refere-se à questão central desse Evangelho, que é algo formidável. O leproso chega, se aproxima de Jesus, e faz um pedido: “[…] Se queres, tens o poder de curar-me (Mc 1, 40)”. O homem doente faz uma declaração, uma afirmação, “se queres…”, e demonstra não estar apegado ao poder de Jesus, mas sim, ao querer de Jesus. Esse é o grande problema da humanidade. Constantemente, os homens questionam Deus: “Por que permitiu? Por que não faz?”, e mostram uma fé ancorada no poder. Mas o leproso sabe que Jesus pode e a fé dele não estava ancorada, apegada ao poder, aprisionada no “sabe com quem você está falando?”, estava sim ligada ao que a Palavra fala no primeiro capítulo do Evangelho de Lucas, “[…] Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38)”.

Os homens precisam buscar compreender o querer de Deus para suas vidas, a exemplo de São Francisco de Assis, que também sempre se colocou à disposição do Senhor, perguntando e acolhendo aquilo que Ele queria que fosse feito. Registre-se ainda mais uma virtude de Nossa Senhora, a do acolhimento à vontade dEle quando da passagem das Bodas de Caná, “Fazei o que Ele vos disser! (Jo 2, 5)”. E certamente, se Jesus não tivesse atendido ao pedido de sua mãe, ela não o repreenderia, mas sim, guardaria “[…] todas estas coisas, conferindo-as em seu coração (Lc 2, 19)”.

O questionamento da humanidade para o Senhor não deve ser o porquê de se passar por determinada situação, como se adiantasse colocar Deus contra a parede. A pergunta deve ser para quê, até porque, muitas vezes, dificuldades são frutos, consequências das ações humanas. Perguntar por que leva à frustração. Perguntar para quê permite encontrar a graça de Deus.

Os homens tentam controlar tudo, inclusive a vontade de Deus, assim como conta a Palavra no vigésimo capítulo de Mateus, na Parábola dos Trabalhadores na Vinha, “[…] Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?’ (Mt 20, 15). No entanto, o segredo para alcançar a felicidade está na compreensão do querer de Deus. Mas como alcançar essa compreensão? É possível? Sim, é! Por meio da oração, do rezar! Como São Francisco, que viva em oração, oração, e mais oração, e assim descobriu qual era a missão dele. Essa descoberta não se deu do nada, não se deu a partir de suposições, adivinhações, buscando outras seitas. Ela se deu através de escuta ao querer de Deus, em retiros, encontros, nas participações nas Santas Missas.

O querer de Deus não pode ser o querer dos homens e alinhar o querer dos homens ao querer de Deus é que faz os homens serem felizes. O leproso entendeu essa necessidade desde o primeiro momento, desde que se aproximou de Jesus. E mais do que ter a pele curada, teve o coração purificado. Certamente, se Jesus não tivesse respondido, “Eu quero: fica curado! (Mc 1, 41)”, o leproso sairia feliz do mesmo jeito. Do contrário, de nada adianta tentar ser bom, mas ter o coração ferido. E assim, depois da cura, como a sogra de Pedro, se por de pé e servir.

Na Palavra desse 6o Domingo, o leproso, em primeiro plano, mostra uma contrariedade a Jesus, contando para todos a respeito da sua cura. Mas essa contrariedade também se revela uma profissão de fé, lembrada no início dessa mensagem, “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura (Mc 16, 15)”, evangelizar por meio do testemunho. Os homens todos precisam se sentirem tocados, agraciados e abençoados, principalmente em tempos de pandemia em que, apenas no Brasil, mais de duzentas mil pessoas já foram arrebatadas pelo Covid-19. É um outro modo de servir esperado por Deus, modo que mantém os homens nesse esquema bíblico proposto por essa Liturgia. Lembrando São Paulo: “Pois, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, porque me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho! (1Cor 9, 16)”.

Um outro ponto leva ao questionamento sobre aonde está Deus diante do sofrimento. Nesta Liturgia vemos um Jesus que permite ao curado reintegrar-se, mas que a Ele se obriga a deixar de entrar nas cidades, “Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade; ficava fora, em lugares desertos (Mc 1, 45)”. Ou seja, se mostra um Jesus que toma as dores dos homens, as carrega para Si inverte os lugares, e, como na história das “pegadas na areia”, toma sua criação no colo, por isso apenas as pegadas de um e não de dois.

Jesus se torna o excluído e vem, como lembra o evangelista João, “[…] eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância (Jo 10, 10)”. Jesus assume a cruz para que os homens tenham vida, sofre as dores, dá seu sangue, morre pela humanidade. Ao ser pregado na cruz, Jesus rasga o documento que separava o homem de Deus e restabelece a comunhão (CIC 422-682). O querer dEle é mostrado na cruz de forma sublime.

Todo o homem possui suas lepras. O primeiro passo para alcançar a cura é buscar imitar a forma como o leproso procura Jesus, com respeito, e humildade, com desejo de conversão, e não pela arrogância ou prepotência, ou para reivindicar direitos (Mc 1, 40). Chegar para estar com Ele, e não para cobrar dEle, ou, como os fariseus, detectar defeitos em Deus e achar-se melhor do que Ele, melhor que os irmãos, se achando santo. O leproso, a mulher com hemorragia (Mc 5, 24-34), nenhum deles poderia ter se aproximado de Jesus de acordo com as leis da época, mas eles enfrentaram essas leis prostrados, de joelhos, humilhando-se

Contudo, como os homens chegam hoje diante do Rei dos Reis? “para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra […] (Fl 2, 10). Homens e mulheres mais humildes conseguem ancorar sua fé na bondade de Deus e terão a certeza de que nunca Deus vai querer o pior para seus filhos amados. Ele permite o sofrimento, mas quer sempre o melhor. Que os cristãos possam ser curados, sarados, amados e purificados, que não sejam mais arrogantes.