Eis o tempo de conversão

Homilia do 20º Domingo do Tempo Comum. Vigília da Solenidade da Imaculada Conceição e início da Quaresma Franciscana de São Miguel Arcanjo. 1ª Leitura (1 Crônicas 15,3-4.15-16; 16,1-2), Salmo Responsorial (131(132)), 2ª Leitura (1 Coríntios 15,54-57) e Evangelho (Lucas 11,27-28)

Nesta noite em que se iniciou a Quaresma Franciscana de São Miguel Arcanjo, o pároco e reitor do Santuário, Frei João Benedito OFMConv., começou a homilia agradecendo às pastorais e movimentos, e aos devotos, que ao longo da semana se dedicaram à realização do Cerco de Jericó, rezando pelo Papa e pela Igreja; pelo fim da pandemia; pela Província Franciscana Conventual São Maximiliano Maria Kolbe, seu governo e por todos os frades, principalmente os que mais necessitam; e por esta Quaresma Franciscana de São Miguel Arcanjo, para que produza frutos na comunidade franciscana, para que todos, paroquianos e devotos, sejam um só rebanho, reunidos em torno de um só Pastor.

Considerando a crença da comunidade franciscana em um Deus que se revela e que conhece através da Palavra de Jesus que está na Bíblia, através da tradição da Igreja, da tradição do magistério. E o que é essa tradição? A Solenidade de hoje explica um pouco. Os cristãos da antiguidade, independente do fato da morte ou não morte de Nossa Senhora, acreditavam que ela tinha sido levada em corpo e alma para junto de Jesus, para junto do Pai, pois eles, graças a mais uma dúvida do apóstolo Tomé, puderam testemunhar a gloriosa assunção. Maria, para que Tomé cresse, deu a ele o cinto que a cingia e, por isso, muita gente conhece o dia de hoje como o dia de Nossa Senhora do Cinto, ou da Cintura. A Imaculada Mãe de Deus foi preservada do pecado e não somente perdoada, mas também redimida por seu Filho, sem a mancha do pecado original, o qual todos nós herdamos. E a Assunção significa Nossa Senhora sendo levada ao céu, em corpo e alma.

Assunção é diferente de Ascensão, porque nesta última, Jesus volta ao Pai por seu próprio poder, e na primeira, Maria é elevada, por seu filho, para junto do Pai, como aquela que participa, em corpo e alma da vida nova dada pelo seu filho à humanidade, em Jesus e em Maria. E por quais motivos? Primeiro, para que a humanidade contemple a grandeza de tudo o que Deus fez a Maria; segundo, para que não se cometa o erro de exagerar e tirar a colaboração particular do santo para a sua santidade, pois todos eles tiveram suas dificuldades em seu caminho de fé. Imaginem o que se passou na cabeça de uma adolescente de 12 a 15 anos, uma criança, que recebe a proposta de ser a mãe de Deus. Imaginem o desafio de Maria em saber que o seu Senhor e seu Mestre seria aquele que ela geraria em seu ventre, que ela iria amamentar, criar, cuidar, pois se não fosse cuidado como qualquer ser humano, não resistiria. Não é fácil conciliar essas coisas tão contrárias, a simplicidade de um Deus que é grandioso, o Deus que se faz pequeno, se faz criança, porque Maria deu “o sim”, mas é o Deus onipotente, onipresente, onisciente que vai assumindo o corpo humano.  O corpo de Jesus acaba sendo o corpo de Maria, pois é ela que fisicamente, sem a contribuição de um homem, transmite a humanidade para o filho de Deus. Maria, segundo São Maximiliano Maria Kolbe, era como se fosse uma encarnação do Espírito Santo, porque tudo aquilo que o Espírito Santo pode fazer em uma pessoa, Ele o fez em Maria. Maria não colocou empecilhos para a ação do Espírito Santo e é nesse dia que o Pai Seráfico São Francisco escolheu para dar início à Quaresma Franciscana de São Miguel Arcanjo.

O Santuário de Monte Carmelo, no Sul da Itália, é um dos poucos lugares em que São Miguel apareceu. Registra a história que, em 1216, quando São Francisco de Assis foi em peregrinação ao Santuário, que é localizado no meio de uma rocha, algo como em Bom Jesus da Lapa (BA), numa montanha, como em uma gruta. Ele chegou e não teve coragem de entrar no Santuário, disse que não se sentia digno de pisar no mesmo lugar que o Arcanjo São Miguel pisou, e ficou parado na porta. Os medievais tinham costumes que ajudam a compreensão sobre quem eles foram, um deles era o de registrar sua presença nos lugares, e foi o que Francisco fez na entrada da gruta, desenhando sua assinatura, conhecida como Tau. Francisco volta para Assis e deixa em seus escritos o testemunho de duas orações que estão no devocionário e que fazem memória dessa devoção que São Francisco nutriu por São Miguel. Por isso nós chamamos essa quaresma de Quaresma Franciscana de São Miguel Arcanjo, porque naquele momento é que Francisco começa a escrever na regra de vida para os frades sobre as três quaresmas que ele fazia. Em um ano, Francisco se retira em oração, penitência e jejum por cento e vinte dias. A primeira quaresma era feita em preparação para o Natal do Senhor. A outra, a que todos conhecem, em preparação para a Páscoa do Senhor, e esta quaresma, que começa na Solenidade da Assunção de Maria, em preparação para a Festa de São Miguem Arcanjo, com a qual se concluirá também a Quaresma Franciscana do Santuário São Francisco de Assis, na Asa Norte, Brasília-DF. Logo depois da canonização de São Francisco foi construído um altar ali na entrada do Santuário de Monte Carmelo para fazer a memória da ocasião.

Mas por que dessa insistência de São Francisco com a Quaresma? Por que a humanidade precisa de uma quaresma em seu caminho de conversão? Talvez fosse melhor fazer de modo fracionado, dividir esses quarenta dias, coloca-los mais distantes um do outro, por que a humanidade precisa? Porque quando não se tem uma dimensão de um tempo e um espaço para consagrar a Deus, a humanidade não consegue se recordar que tem que fazer um tempo de conversão, e é para isso que serve uma quaresma. Em quarenta dias, o homem consegue se recordar que o tempo da quaresma é um tempo de graça, tempo de salvação. Uma quaresma é tão importante, pois nela se tem a glória da salvação, se encontram sete momentos bíblicos em que se encontram quaresmas em que, terminados os quarenta dias, alguma transformação produziu, muitas conhecidas do povo de Deus. A primeira delas foi a do homem escolhido para construir uma arca, Noé. Ele é chamado por Deus para construir uma arca e, ao final de quarenta dias de dilúvio, o pecado havia sido vencido, a graça de Deus superou o pecado. Uma quaresma significa isso para os homens, de que em suas histórias pessoais, o pecado pode ser vencido, e do como Deus fez uma aliança com a humanidade, uma aliança de santidade. Ao final de quarenta dias, nas águas da vida de cada um, ao destruir os seus pecados, o homem pode ter uma aliança nova com o Senhor.

Uma outra quaresma foi a do homem que subiu numa montanha para fazer uma aliança com Deus e receber os dez mandamentos de Deus, escritos em pedras. Esse homem foi Moisés, que ficou no Monte Sinai por quarenta dias. Era ele que precisava purificar o coração dele para fazer uma aliança como Senhor, mas o povo também que precisava fazer uma aliança, contudo não conseguiu. A aliança do Sinai é curiosa, pois temos um Deus que por quarenta dias está ali lutando para fazer aliança com o seu povo e temos Moisés que faz uma aliança com a Terra Prometida, mas o povo não faz a aliança. Assim é uma quaresma. É num momento como este de pandemia que o homem se faz manifestar quem é, o melhor e o pior de cada um de si. Quando Moisés desce com as tábuas dos mandamentos, ele encontra o povo cultuando um bezerro de ouro, o povo que não resistiu à quaresma e, mesmo estando ao redor do monte, não viu a manifestação de Deus, fazendo de Moisés um símbolo para o antigo testamento.

Temos também a quaresma de Elias, ouvida inclusive em uma das leituras do 18º domingo do Tempo Comum, em que se relata a conclusão dessa quaresma, em que Deus se manifesta no silêncio. Elias, por quarenta dias, percorreu o deserto, o mesmo deserto percorrido por Moisés, desesperado, com medo de morrer, de ser assassinado pela rainha Jezebel. Naquela ocasião, o profeta, deprimido em sua quaresma, desesperado, com fome, ele fez a seguinte oração: “Senhor, tira a minha vida porque eu não suporto mais”. Uma quaresma pode fazer isso, fazer com que o homem faça uma oração sincera, de tristeza, pois também essa oração é acolhida pelo Senhor, e ali o Senhor faz o profeta descansar, faz o profeta depois comer e voltar para anunciar.

Essas três pessoas precisaram de uma quaresma para fazer um caminho de conversão. Três pessoas importantes para o nosso caminho de fé: Noé, Moisés e Elias. Uma quarta pessoas da Bíblia, conhecida por ser “nervosinha”, “ranzinza”, o profeta Jonas, foi chamado para anunciar para a Nínive que se a cidade não se convertesse ela seria destruída. E como ele queria ver uma destruição como em Sodoma e Gomorra, uma destruição com chuva de enxofre. Jonas se preparava para um espetáculo de fogos de artifício. Foi ao Senhor esperando que ninguém percorresse o caminho de fé, mas todos na cidade o ouvem e começam a fazer penitência, desde o Rei até os animais. Deus quis a misericórdia e profeta não aceitava a misericórdia de Deus para com Nínive, e a pregação naquela cidade durou quarenta dias, quarenta dias em que o profeta atravessou a cidade pregando, para depois a cidade se converter e ser poupada. A quaresma, que é um tempo de transformação, como com o dilúvio, um tempo de aliança como no Sinai, um tempo de ser ajudado pelo Senhor como foi o profeta Elias, um tempo para fazer a experiência da misericórdia de Deus como com o profeta Jonas na cidade de Nínive, e também ocorrer quando o profeta Josué assume a liderança do povo de Israel no lugar de Moisés. Ele envia um grupo de Israel para visitar a cidade que Deus preparou para o povo de Israel, a Terra Santa, e essa expedição dura quarenta dias. Se conta na Bíblia que os dois homens voltam dizendo que aquela terra é uma terra promissora e trazem consigo um cacho de uvas tão grande que precisava dos dois homens para carregá-lo nas costas, histórias hiperbólicas que contavam através de símbolos a experiência da grandiosidade de Deus. Um Deus com quem o homem precisa reatar os laços. Encontrar, nessa Quaresma Franciscana, um tempo de oração, um caminho de conversão, de penitência, para a oração. Para esse tempo não passar em vão.

Mas ainda há outras quaresmas, também de conhecimento público. Jesus, que ficou quarenta dias no deserto. Jesus que combate com o maligno a luta espiritual que os homens precisam fazer nesse tempo, contra o mal e para que Deus vença em cada um deles. E o período de Jesus, antes da Ascensão ao Senhor, de quarenta dias, preparando os discípulos dEle para assumir a missão. São essas todas as quaresmas, que são em sete porque sete também é um número simbólico, é plenitude e recorda, a todos, que a estrada da salvação não é somente proposta para Maria, Noé, Moisés, Elias, para os discípulos de Jesus, mas para toda a humanidade, se abre um caminho, uma estrada, que está na união. E que será percorrida por quarenta dias. Um caminho de Francisco, padroeiro dessa comunidade franciscana, diz que vale à pena ser percorrido, porque ele fez essa estrada, e que não se deve colocar propósitos imensos, que não sejam capazes de suportar. É necessário que cada um seja misericordioso consigo próprio, e ser também exigente, buscando sempre o sacramento da reconciliação, para participar da Eucaristia e buscar um caminho de conversão. Isso contando do o auxílio de todos os símbolos sacramentais que se deve buscar nesse tempo, seja o sal, o óleo, a vela, a imagem de São Miguel, tudo para que se faça lembrança deste tempo de graça que é possível viver, já que seres humanos sem símbolos costumam esquecerem-se facilmente daquilo com o que se comprometem.

Um tempo de graças se faz porque Deus dá a sua graça. É também um tempo de aliança no qual Deus espera dos homens que estejam do outro lado para fazer a aliança com Ele. Que para a comunidade franciscana esteja aqui, esteja pelas redes sociais, cada um, respondendo com suas vidas ao apelo d Deus para a conversão nesse tempo santo, tempo que o Senhor fez também para você!

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